segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A Relação governante e povo na perspectiva de Maquiavel

Eric Tadeu Miguel
Universidade Federal de São João Del-Rei
Email: arcanjosmith@hotmail.com
 Orientador: Professor Dr. José Luiz de Oliveira

Resumo: Este trabalho tem como objetivo explicitar a relação governante e povo segundo as abordagens feitas por Nicolau Maquiavel, no livro “O Príncipe”(1532). Analisando cada capítulo, obtêm-se  uma base de explicação sólida e concisa para se chegar a uma conclusão de como ocorre esta relação. A mesma acontece a partir do momento em que o governante deixa clara a sua autoridade, independente da maneira que ira fazê-lo, sendo uma relação de certa forma opressiva, assim, esta relação ocorrerá por meio do medo imposto pelo governante.  
Palavras-chave: Relação, Governante, Povo, Perspectiva, “O Príncipe”, e Maquiavel.


La relación de gobierno y personas en Perspectiva Maquiavelo
Resumen: Este artículo tiene por objeto aclarar la relación y las personas que gobiernan de acuerdo con los planteamientos hechos por Nicolás Maquiavelo en su libro "El Príncipe" (1532); el análisis de cada capítulo, se obtiene una base de explicación sólida y concisa, para llegar a una conclusión en cuanto a cómo se produce esta relación. Lo mismo ocurre desde el momento de la sentencia deja claro su autoridad, independientemente de la forma en que lo harán, al ser una relación, de alguna manera opresiva; por lo tanto, esta relación se producirá a través del miedo impuesto por el gobernante.
Palabras clave: relación; gobernante; Personas; Perspectiva; "El Príncipe"; Maquiavelo.

The Governing Relationship and People in Perspective Machiavelli
Abstract: This paper aims to clarify the relationship and ruling people according to the settings made by Niccolo Machiavelli in his book "The Prince", explaining each chapter has a sound basis and concise explanation for reaching a conclusion as to how this relationship occurs. The same happens from the moment the ruling makes clear its authority, independent of the way they will do it, with a list of some oppressive form, so this relationship will occur through the fear imposed by the ruler.
Keywords: Relationship, Ruler, People, Perspective, "The Prince", and Machiavelli.

Considerações Iniciais

    A obra realizada no século XVII, vem  relatando a realidade de sua época em um envolto marcado pela soberania e guerras. A política nada mais era que uma conquista de um trono através do poder armado e organizado ou da pura e simples ancestralidade, mas o que garantiria qualquer uma destas conquistas seria a percepção do príncipe em relação ao modo de vida do povo, podendo através desse trabalho explicitar a relação governante e povo que acontece através do mal causado pelo mesmo para a manutenção de seu poder.

 Características do Governante
   É preciso salientar que em termos maquiavelianos, para o governante, tudo o que se refere à guerra está em seu favor porque trata-se de situações que o faz mantê-lo no poder. O governante representado na figura do príncipe preocupa-se com as armas, pois somente com elas é possível a manutenção do poder. O soberano, uma vez não sabendo o que faz, fica desacreditado de seus soldados. O que o verdadeiro governante faz na perspectiva de Maquiavel  é praticar a arte da guerra, principalmente em tempos de paz por meio da ação, que além de manter os soldados disciplinados, praticará exercícios que o fortificarão fisicamente e também fará com que ele conheça bem o lugar que habita e suas dominações. A arte da guerra praticada também em pensamento ajuda de uma maneira incomensurável a fazer com que o governante pense em situações reais e dessa forma, encontrar soluções para as mesmas nos tempos de guerra. Sobre isso, ressalta Maquiavel (1452) :
                            Filopemenes, príncipe dos Aqueus... nos temos de paz...pensar em coisa de guerra.Quando passeava com os amigos... os interrogava: se os inimigos estivessem sobre aquele monte, e não estivéssemos aqui, com nossos exércitos quem teria maiores vantagens? Como se poderia ir ao seu encontro, observando a nossa formação? Se nos quiséssemos retirar, como deveríamos fazer? Se eles se retirassem como faríamos para segui-los? Enfim, formulava todas as hipóteses que podem ocorrer em campanha, ouvia-lhes a opinião, dava a sua...de modo que quando estava a frente dos exércitos, nunca surgiu  um acidente que ele já não tivesse previsto... (99)

   Percebe-se que por meio de suas reflexões o governante, através de suas reflexões sobre a arte da guerra, o governante formula situações e ao mesmo tempo soluções para elas. Poderia ele garantir uma probabilidade muito maior à sua vitória, por exercitar situações que poderiam realmente acontecer. Na prática, o príncipe encontra soluções para a arte da guerra em defesa, manutenção e vitória de seus exércitos. (Maquiavel, 1960).
   Nessa reflexão, há também um fator muito importante que se baseia no campo que seria da historicidade. Para Maquiavel(1452) o soberano deve aprender com os exemplos de grandes homens. Este aprendizado é em relação ao significado de prudência pois ela está justamente em “considerar as ações de grandes homens, observar como se conduziram na guerra, examinar as razões de suas vitórias e derrotas... (99). Desta forma , o governante ou o príncipe pode avaliar as situações com ele ocorridas de uma forma sábia e toma para si a práxis para saber lhe dar melhor com as contingências.
   Podemos dizer em outras palavras que uma arte da guerra é estudar a história de grandes homens para que apreendendo exemplos de conquista ele possa sempre estar sendo conduzido para a vitória. Ao se referir ao louvor ou vituperidade ao príncipe ou governante, Maquiavel está explicando a forma de como o mesmo deve se comportar com os súditos e seus amigos. E para tal, usará a forma real de como o governante deve comportar-se e não como deveria fazê-lo. Sobre isso Maquiavel (1960) afirma:
Vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se deveria viver, que quem se preocupar com o que deveria fazer em vez do que se faz, aprende antes a ruína própria; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus (101)
   Nota-se em sua abordagem, Maquiavel evidencia que uma das atitudes do príncipe ou governante é estruturar seu modo de vida no presente. O pensador da renascença realça a vida como ela é realmente. Iludir-se em pensamentos sobre o modo de vida, seria um erro, pois o governante cria algo que não existe. Nesse sentido percebe-se que uma das características do governante é agir de forma contrária à bondade pois o mal realizado seria válido quando necessário. Usar o mal dessa forma seria para a manutenção do poder do soberano (101).
   Mas o que faz um governante ser louvado ou censurado são suas qualidades apresentadas diante das pessoas que se encontram sob seu domínio. Para Maquiavel (1960) o governante pode ser explicitado das seguintes  maneiras:
Isto é, alguns são todos como liberais, outros como  miseráveis...alguns são tidos como pródigos, outros como rapaces; alguns são cruéis e outros piedosos; perjuros ou leais;efeminados e pusilâmines ou truculentos e animosos; humanitários ou soberbos; lascivos ou castos; estúpidos ou astutos; enégicos ou indecisos, graves ou levianos;religiosos ou incrédulos, e assim por diante (102).
   Dessa forma, Maquiavel deixa claro que o que compõe a reputação do príncipe são suas qualidades. Mas, a característica principal para a manutenção do príncipe no poder seria a maldade, pois por meio dela, o soberano pode garantir-se entre outras pessoas que também são más.
     Contudo, para a realização da maldade e para a manutenção de seu poder é preciso a prudência para que não haja exagero em seus atos e todas as qualidades que ele possa construir, favoreceriam ao governante para a continuidade de seu governo.
    Para o pensador renascentista da política algo seria deixado evidenciado “pode-se deixar que as coisas sigam seu curso natural” porque como o príncipe é um ser humano, é preciso que ele seja disciplinado para que saiba lhe dar de forma sábia com algum defeito que possua.
   Em sua exposição, mais uma outra característica é ressaltada, segundo Maquiavel, evitar ao máximo possível de gastos para que não tenha necessidade de tirar de seus súditos. E também possuindo a parcimônia, o governante pode garantir a defesa de seus domínios. Portanto, a característica de miserável acarrreta nos súditos nem ódio e nem amor ao soberano, mas sua popularidade. Desta forma a possibilidade de receita no reino seria bem maior e esta atitude seria considerada prudente.    

 O que é o povo na visão maquiaveliana

   Na época do filósofo italiano, o povo seria um conjunto da massa que deveria  se sujeitar ou não de acordo com a forma de conquista do principado. Para tal, é preciso uma estrutura política, militar e religiosa bem organizada por parte do governante e todos que com ele colaboram para sua manutenção no poder.                                                          
   Pois o que caracteriza  a união de um povo  é justamente o poder que possui para fazer permanecer ou não um príncipe no poder. Mas na época, muitos  eram coagidos através do medo ou as pessoas eram coagidas através da bondade, uma realização de  ação que possibilitasse ao súdito ter uma certa importância para a coroa.
   O povo é o maior colaborador para  ascensão ou declínio de um governo independente de sua característica,  seja ele totalitário, absolutista, ou republicano, as massas sempre terão esse papel de suma importância que seria a manutenção ou não de alguém no poder.
   O poder que se é adquirido é percebido pelo povo como algo positivo, pois só de colocarmos que há uma determinada forma de governo, está afirmando-se que esse povo não teria uma opção de escolha já que, não pode-se haver uma outra possibilidade. Infelizmente deve-se realizar a vontade que é exposta pelo soberano que é a de colocar toda a massa sobre seu controle.
    Na verdade o que é mais preocupante dentro deste contexto apresentado por Maquiavel, seria a passividade demonstrada por todos aqueles que fazem parte de qualquer regime. Olhando com mais afinco as observações de Maquiavel, pode-se de forma bem clara, observar que a característica mais marcante em todo esse processo seria a falta de esclarecimento pois,  para época, o único esclarecimento tido como verdadeiro era o esclarecimento exposto através da fé religiosa? Sendo qualquer atitude contrária a esse esclarecimento, poderia significar a morte ou alguma outra atitude severa que poderia ser usada como exemplo para desmotivar qualquer pessoa que for contrária ao soberano, na época a igreja católica  e governo andavam de mão dadas, isso facilitaria muito no controle das massas.
    A educação  era algo restrito ao povo; afinal o soberano que representa Deus na terra não pode ser contrariado,  a manutenção deste paradigma, prejudicou  muito o desenvolvimento cognitivo das massas,  pelo fato do  povo ser privado ao conhecimento, tanto que é mais favorável tê-los como ignorantes do que proporcionar uma chance de esclarecimento; o povo seria  toda essa massa e por mais que ocorram mudanças no governo, toda e qualquer ação será, repito, para a manutenção do príncipe no poder, por mais querido ou odiado  que ele seja,  mas para tal realização é preciso sempre a   aprovação do povo, sem ela fica muito mais difícil a obediência deste povo para com o soberano.
    Mas se tratando em relação ao povo, o comentador Newton Bignotto aponta no capítulo segundo de sua obra Maquiavel Republicano que a questão da liberdade é algo que pode ser consideravelmente importante, porém como a questão da liberdade esta ligada ao povo na visão do comentador dentro da obra O Príncipe?
    A resposta seria simplesmente que; a liberdade para o povo dentro da visão  maquiaveliana explicitada na obra de Newton Bingnotto, seria o domínio do soberano sobre seu povo, ou seja, o povo nada mais é que a expressão de grandeza do soberano, encontrando no domínio do mesmo a sua liberdade.
    Apesar de possuir elementos que pudessem possibilitar a sua liberdade diante das imposições do príncipe, durante vários séculos, o povo de certa forma sentiu  necessidade de estar sob domínio de alguém, e este só acontece  por causa de transferência de responsabilidade da maioria do povo para as mãos do soberano. Assim, na visão de Maquiavel, o povo seria este aglomerado de pessoas  que está para atender os desejos do soberano apesar de que, o soberano só domina o principado de fato tendo o feito através da força e de forma digna ganhando a admiração ou pela força de modo hereditário ou através do medo.
    Mas na observação de Newton Bignotto, o povo é realmente livre de acordo com as colocações e imposições do soberano, ou seja, o povo não está em sua terra para ser livre de fato.   

 Como acontece a relação entre governante e povo

    Segundo os dois tópicos anteriores, o primeiro explicita as características do governante que seriam, na colocação maquiaveliana a prática da arte da guerra em tempos de paz, formulando situações para encontrar soluções para elas, aprender os exemplos dos grandes homens para que o príncipe saiba lhe dar melhor com as situações, colocou também que é mais vantajoso ser mal do que bom pelo fato de estar cercado de homens maus (101).
   Um outro ponto importante apresentado no primeiro tópico são as qualidades que ele possúi, por que através delas é que se podem manter um príncipe no poder (Maquiavel, 1960), mas uma das características que são primordias é a parcimônia que seria evitar gastos ao máximo em seu principado, essa característica somente aumenta a popularidade do Príncipe.
   Já no segundo tópico que refere-se ao povo. Pode-se colocar como significado que o povo é o conjunto de pessoas sob o domínio do príncipe, porém para manter o povo sob seu controle, a educação obviamente é algo restrito, justamente para que o povo não fosse capaz de pensar por si só e dessa forma a liberdade do povo se encontra na opressão do soberano como foi apresentado neste tópico.
  O que explicitaremos nesta última parte será como ocorre esta relação entre o governante e povo, a partir dos significados de ambos, apresentados anteriormente na perspectiva maquiaveliana.
   Podemos perceber que esta relação governante e povo estará obviamente mais favorável ao governante devido as características que possuem, como segue:
E, entre todos os príncipes, os novos são os que menos podem fugir a fama de cruéis, pois os Estados novos estão cheios de perigos(107)...portanto, crédulo o príncipe e nem precipitado e não deve amendrontar-se a si próprio, e proceder equilibradamente, com prudência e humanidade, de modo que a confiança demasiada não o torne incauto e a desconfiança excessiva não o faça intolerável.(108).
    Percebe-se que o governante apesar de todos os perigos que o cercam, deve agir de forma equilibrada em tudo o que for realizar para que dessa maneira, tenha uma relação harmoniosa com os súditos.
    Mas para que tal relação possa se realizar, qual a seria a melhor maneira do governante se comportar? Através da colocação abaixo seja possível esclarecer tal questionamento:
Responder-se-á que... é muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha que falar numa das duas. É que os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizerem bem, todos estão contigo... desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas quando ela se a vizinha,voltam-se para outra parte...Pois as amizades conquistadas por interesse e não por grandeza de caráter, são compradas, mas não se pode contar com elas no momento necessário.(108).
    O que ocorre de fato segundo as colocações de Maquiavel é que devido as características que o homem possúi e de acordo com seu tempo, o comportamento mais viável para a manutenção do príncipe no poder é que ele seja temido, justamente por causa da maldade que a ele o cerca e dessa forma pode lidar melhor com ela.
     Afinal o que é explicitado pelo filósofo florentino é que, o que ocorre entre o governante e o povo é justamente uma relação de interesse, pois se alguém, no caso o príncipe, não puder atender aos intentos dos súditos, não tem motivo sua manutenção no poder.               
     O que fica nitidamente claro é que enquanto o governante puder atender os interesses de suas amizades, elas estarão sempre com ele, mas o que é explicitado na posição maquiaveliana é que as amizades devem ser conquistadas através do medo, para que assim elas atendam aos desejos do governante em algum momento de desamparo.
   Portanto o medo é algo importante nessa relação. Se por ventura o príncipe não seja querido ou estimado o que deve ser ressaltado com veemência é que, o ódio por parte dos súditos deve ser evitado, pois sendo temido, se precisar tomar uma atitude mais drástica como derramar o sangue de alguém, terá justificativa (Maquiavel,109).
    Na relação entre ambos, a palavra é algo de grande relevância juntamente com a força, porém é preciso saber como empregá-las para que assim dure o seu poder o máximo possível. No caso, a qualidade de raposa é muito apropriada segundo Maquiavel, pois dessa forma o príncipe precisa de astúcia para saber simular e dissimular, pois nem sempre cumprirá com a palavra dada a menos que não o prejudique(112).
    Mas uma das características que marcam essa relação na visão do filósofo político é o príncipe aparentar ser algo que ele não é pois “os homens em geral julgam mais pelos olhos do que pelas mãos”(113). Na relação governante e povo a aparência do governante é muito importante para a manutenção do seu poder, ou seja aparentar possuir determinadas características mesmo não as tendo para a manutenção de seu poder.
  Assim a relação entre ambos ocorre principalmente através da aparência e do medo.    
Considerações Finais
   Acreditamos que foi possível esclarecer o significado e as características do governante, enfatizando-as e apresentando seu conteúdo, que seria a prática da arte da guerra, usar a maldade de forma adequada, a parcimônia, e a imposição do medo principalmente garantiria de certa forma o seu poder.
    Percebe-se que na relação colocada que, o povo sempre está sendo controlado por este poder patriarcal, e dessa forma, a liberdade do povo está no domínio do governante. Assim, o medo e a passividade são as coisas principais que ocorrem na relação governante e povo.

Referências
 MACHIAVELLI, Nicolò. “O Príncipe”. Trad. Lívio Xavier. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1960.
BIGNOTTO, Newton. “Maquiavel Republicano”. Loyola, São Paulo, 1991.
               

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